Colette

Esta gata vai tornar-me tão maricas. Meu deus.

Veio para mim inesperadamente num dia em que vi nascer a madrugada. Os seus olhos têm a cor dessa manhã.

Mudanças se anunciaram com essa luz.

Primeiro teve um bocadinho de medo. Eu também tive.

Só a cozinha já é todo um mundo para descobrir.

Teve medo do Sassetti. Assustou-se com os primeiros acordes e veio encolher-se junto a mim, com os olhos muito abertos a interrogarem-me. E nesse momento, foi a primeira vez que nos olhámos, fundo nos olhos, como se olham as pessoas. E para gato-pessoa, esse olhar demorou muito tempo. Confesso que estaquei, de surpresa com a intensidade daquele olhar. O dela e o meu. Era tão puro, não havia nada anterior que condicionasse esse olhar. Era o primeiro. Parece que nos apresentámos, não a Sara e a Colette, mas as coisas que estão atrás dos olhos. 

Esta gata faz parte de um exercício.

Hoje acordei mais cedo, porque estava preocupada com ela. Fui procurá-la, ela miou-me o som mais querido que já saíu de um gato. Deitei-me mais um bocadinho com ela, para que sentisse o calor, e adormeceu. Toda esta preocupação é novidade para mim.

Quando voltei a casa, veio para mim como se fosse um cão, a chorar e a pedir colo, ela miava e soluçava. Agarrou-se a mim com as unhas e não me queria deixar ir embora outra vez.

Eu gosto dela.
Eu acho que ela gosta de mim também.

E o truque do ronron é um truque muito baixo.